quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Pronome acolá

Uma vez eu tive os sonhos dentro de uma caixa preta
Viviam remexendo meu interior do interior da caixa
Alguns viviam em palhaços que metiam medo no escuro
Outros em seus campos verdes arados de pequenas flores

Mas eu perdi os meados das fábulas, sendo que era uma vez
Um final feliz que eu percebi estarem solitários tão próximos
Eu não pude pedir para contarem novamente, estava mudo
Sem meu mundo de verdade e banhado a sonhos presos

Uma noite sem contexto, o sol refletia o verso solto
E redonda no céu uma lua expressionista sorria a volta
Como um grito, sugando para o vácuo, escolheu um eu
De mim se fora aquela vida contente e me sobraram nós

Éramos normais sem eu, mas faltava aquele sorriso
Não sonhávamos mais com as cores vivas ou palhaços medonhos
Éramos o que tínhamos de ser se estivéssemos mortos
Então morremos deveras vezes em pesadelos diversos

Mas ainda naquela caixa viviam partes que um eu sonhou
E delas vieram às guerras de comida, canhões de purê
Os mergulhos obscuros nos lagos perdidos, água vermelha
Vieram os cantores poetas e atores, todos, homens e mulheres

Então nós começamos a escrever nossos sonhos
Em pequenos versos sem rima, e por isso, desritimados
Todos em palavras pequenas ou até mesmo gigantescas
Mas escrevíamos o único de nós que faltava, um eu acolá

Fora do papel ainda viviam os devaneios do nosso pronome
Sonhávamos ainda em uma primeira pessoa tão distante
Mas não perdemos nossa fé única e verdadeira, uma mágica
Um dia veio o que faltava em um ponto final, ponto

Era uma vez um conjunto, tão junto que era um
Fragmentos de gente e todos juntos, a gente, eram eu
Viviam de sonhos narrados por outros e por todos
Mas descobriram serem narrador e narrado

E viveram em singular feliz para sempre