segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Clicou todas possibilidades da televisão e a desligou. Respirou fundo meio minuto e religou.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Doudos infelizes
Todos remetendo suas cartas
Doudos todos eles que lêem minhas contas
Todos doudos de pedra

Eu da janela lhos vejo
São doudos de douduras mil
E mal sabem serem
Pois quanto mais são mais doudo é

E pro são basta crer ser
E deixar de lado a doudora
Que d’outrora me as lembranças
Que um dia fui doudo

Mas esqueci

terça-feira, 28 de setembro de 2010

30 de fevereiro

Verifiquei minhas últimas memórias
Uma busca detalhada dos entalhes do teu nome
Na perpétua tradição de chorar as testemunhas
Lágrimas que saúdam a solidão

Você morreu ou ainda caminha?
Valsa em alguma vida dessas
Solta num hálito dormido ou numa nuca lisa
Desnuda de dançarina noturna

Onde tu estas agora?
Na casca de uma árvore, no traço do desenho
Porque de onde estou só vejo a solides da redundância
Perdida no martírio

O remanescente do teu nome é o choro
Que bate nas paredes e me voltam como pedidos
Você se deu ao trabalho de me chamar de teu
E me sobra a embriagues do romântico escrupuloso e ultrapassado

Sou só nome e eco da silaba perdida
Do traço que foi curva e reta numa só letra
Você usou em titulo e poema o que meus olhos expressavam
E agora me deixa em um rascunho amarelado pelo tempo

Onde tu foste que me deixou no vácuo?
Na embriagues sórdida da noite
No sereno roxo que alimenta o vicio
Na cena da morte que me leva em casa.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Pronome acolá

Uma vez eu tive os sonhos dentro de uma caixa preta
Viviam remexendo meu interior do interior da caixa
Alguns viviam em palhaços que metiam medo no escuro
Outros em seus campos verdes arados de pequenas flores

Mas eu perdi os meados das fábulas, sendo que era uma vez
Um final feliz que eu percebi estarem solitários tão próximos
Eu não pude pedir para contarem novamente, estava mudo
Sem meu mundo de verdade e banhado a sonhos presos

Uma noite sem contexto, o sol refletia o verso solto
E redonda no céu uma lua expressionista sorria a volta
Como um grito, sugando para o vácuo, escolheu um eu
De mim se fora aquela vida contente e me sobraram nós

Éramos normais sem eu, mas faltava aquele sorriso
Não sonhávamos mais com as cores vivas ou palhaços medonhos
Éramos o que tínhamos de ser se estivéssemos mortos
Então morremos deveras vezes em pesadelos diversos

Mas ainda naquela caixa viviam partes que um eu sonhou
E delas vieram às guerras de comida, canhões de purê
Os mergulhos obscuros nos lagos perdidos, água vermelha
Vieram os cantores poetas e atores, todos, homens e mulheres

Então nós começamos a escrever nossos sonhos
Em pequenos versos sem rima, e por isso, desritimados
Todos em palavras pequenas ou até mesmo gigantescas
Mas escrevíamos o único de nós que faltava, um eu acolá

Fora do papel ainda viviam os devaneios do nosso pronome
Sonhávamos ainda em uma primeira pessoa tão distante
Mas não perdemos nossa fé única e verdadeira, uma mágica
Um dia veio o que faltava em um ponto final, ponto

Era uma vez um conjunto, tão junto que era um
Fragmentos de gente e todos juntos, a gente, eram eu
Viviam de sonhos narrados por outros e por todos
Mas descobriram serem narrador e narrado

E viveram em singular feliz para sempre

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Móbile

A mão pequena, muito pequena
Tenta, puxa o ar, espalma contra o teto
Não chora, mas geme enquanto rola pelo berço
E vê lá no alto alguns pássaros que circulam

Os olhos grandes, muito grandes
Acompanham, rodam em suas orbitas
É de uma cor esmeralda, talvez jade
E quando ele mira alguma coisa sorri bobo

A boca é gigante, muito gigante
Sorri, chora e para, como se abocanhasse o mundo
Tenta falar e não consegue ainda, só rola enquanto segue os pássaros
Sempre em circulo, olhos e boca acompanhando

E a palavra é boba, muito boba
Nesse instante banal e importante
Ele balbucia uma palavra que encanta ele mesmo
Um “pipiu” bate asas de sua boca enquanto os do teto migram

terça-feira, 6 de julho de 2010

Colisão

Dentro de um carro em movimento que segue para o norte sem previsão de parada. Meus olhos notam cada carro com uma visceral descrição de seus ocupantes, e em uma dessas descrições esta ela. O carro já veio e voltou em uma brincadeira decepcionante de quem toma a ponta da fila. Ela tem os olhos castanhos e sempre notamo-nos quando passamos, como uma bala disparada, um pelo outro. Ela tem nome, todos têm, o dela estava em uma folha pautada colada no vidro do carro, escondendo um sorriso bobo, quase infantil, e deixando a mostra as pontas roídas dos dedos contrastando com o cantinho da folha branca. Eu fiz o mesmo. Peguei meu caderno verde, risquei meu nome, esperei um sinal de que ultrapassaríamos o veiculo em que ela estava e colei meu nome no vidro. Depois disso um diálogo extremamente demorado...
“Fulana”
“Fulano”
“Gosto de você”
“Gosto dos seus olhos”
“Posso te encontrar?”
“Pode, mas como?”
“Não faço idéia”
“Pra onde vai?”
“Norte”
“Eu também”
“E se for nossa única conversa?”
“Ai mesmo assim te amei”
“Amei você também Fulano”
“Tchau Fulana...”

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A poça

Uma nuvem passou pela poça, nublada, cinzenta, os olhos do pequeno acompanharam a sua passada durante todos os longos minutos. Depois olhou para cima e não achou a nuvem. Coçou os cabelos finos, bagunçando a cabeleira fina, e voltou a olhar a poça. Agora passava um passarinho, depois outro, então um bando deles, batendo asas sem parar, num frenesi silencioso. Rapidamente o pequeno subiu seu olhar buscando os pássaros que migravam com pressa, mas não achou. Coçou, bagunçando ainda mais, a cabeleira fina, negra e longa. Apertou os olhos verdes contra o sol, depois voltou para a poça, e logo pintou seu rosto em uma grande interrogação, procurando na poça um sol que não existia... A poça estava chovendo, grandes raios explodiam em clarões na poça, no buraco feito de água que escondia um mundo privado. Ele ficou de cócoras, observando os ventos, os pássaros e os clarões. Depois olhou para cima novamente buscando o sol... Levantou e saiu em disparada em direção a uma bola. Voltou, caminhando devagar, procurando na água aquelas pinturas intrigantes. Parou por alguns poucos segundos, e logo gritou, já em uma nova dispara, um “já achei!”.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Adeus aos poemas

Houve contentamento no olhar que lançou pela janela. Fazia uma lua de céu e nubladas nuvens, enquanto as estrelas compartilhavam um pacto solene de não aparecerem. Ele coçou a cabeça mais de uma vez, quase arrancando o pouco cabelo que lhe restava. Havia também pequenos cadernos de poemas, amassados, manchados de comida, riscados sobre páginas e ilustrações. Alguns dos poemas eram profundos, metrificados e nada espontâneos, outros eram opostos. Sobre todo o resto, revistas, lápis, xícaras, papel de bala, havia uma pistola prata, reluzente, sendo tocada pela luz amarela do único abajur do quarto, que na escuridão da noite lhe servia de fogueira. Ele estava em pleno estado de êxtase, sorrindo e lançando suas visões contra o mundo além papel.
Tinha escrito sobre as liras de Azevedo, sobre o toque juvenil de suas mãos entre as coxas de uma mulher e tinha escrito sobre o carro preto que não saia da frente da sua casa. Estava num estado sombrio e sóbrio, claramente a mostra numa superfície desgastada de escritor/louco.
A mão viajou da sua inércia até o gélido contato com a pistola. Os lábios curvaram em um “u”, inocente, arrependido e delicado. O peso da arma proporcionou uma surpresa, não imaginava ser tão leve um objeto que proporcionasse paz tão imensurável quanto à morte. Posicionou a arma sob o queixo, coçou a barba como se manuseasse um barbeador, então se despediu da vida.
“Noite, se você me escuta de algum lugar, saiba que amei você em todos os ponteiros apressados. Amei quando não via mais saída e durante sua estadia no céu eu escrevia sobre todas as alucinações da minha saudável cabeça... Vida, se me escuta, saiba que não enlouqueci quando pisei seu solo estéril, quando descobri as utilidades do meu corpo, ou quando conheci as proezas da língua, eu simplesmente cansei dos companheiros que perpetuam você... Deixo meu adeus às duas amadas, amantes de uma mesma página...”
Fechou sua boca e deixou que a bala viajasse seu interior, sulcando suas memórias, suas tristezas, suas felicidades, suas coragens... E em um último instante de consciência, entre o buraco do alto do seu crânio e o vento que atingia seus olhos, um pássaro acinzentado pousou o peitoral da janela e pronunciou um adeus, que talvez proporcionado por uma última alucinação, soou como “nunca mais...”.

sábado, 19 de junho de 2010

Senhor Desordem

Ok senhor Desordem
A psicose momentânea se foi
Pronto para uma viagem e malas em mãos
Estou quase certo disso

Certo Mr. Desordem
Mais uma vez um turbilhão
Mais uma vez mil meninos em mim
Organizando o caos, em ciranda

Meio fora do ritmo
Um caos e uma desordem
Nada certo ou em seus lugares
Parece vida, parece errado

Obrigado Senhor Desordem
Agora eu vejo com meus olhinhos
Bolas de gude e gatos
Bolas de gudes e cachorros

Mr. Desordem, my Mr.
O que eu faço com as chances?
Nesse barulho e nesses documentos
Sem assinaturas, o pior, sem assinaturas

Parece tudo certo e depois
Um caos momentâneo
Uma vida que parece vida
Bolas de gudes e tigres

Até mais Senhor Desordem
Você mora logo ali
De repente se você esticar o braço
De repente se você esquecer onde moro

By Mr. Desordem
Um adeus prolongado sem abraços
Fora o caos e as cirandas
Meio que certo, meio

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Referencias claras

Os olhos de brancura austera me observavam
E como se não bastassem minhas mãos tremulas, chorei
Era ali minha amada, pálida em seu torpor eterno
Musa de momentos de gozo solitário, dedicatórias alvas a minha admiração

Como amei aquelas curvas sinuosas, era minha passarela
De beleza uníssona enquanto escutava meus clamores
Minha donzela, Shakespeare não daria beleza maior as tuas mensuras
É minha doce amada, envolta de tempo e abraçada pela foice

Eu não contive minha mão e toquei aquela pele
Era fria e mesmo assim me sussurrou a libido
Guardava nas entranhas o desejo que segregou
Então o tive como se esperasse um corvo a minha janela

A tomei em meus braços e a despi com suavidade
Em meu peito pacóvio de suspiros morou o saber de sua morte
Mas de todos os momentos correto que mantive a minha Julieta
Aquele era o desespero de não os manter mais

Quando nua sob a luz trepida do luar que refletia no mar
Vi as veias paralisadas com a falta do palpitar
Decoravam a pele que me seduzia aos poucos
Dando por mim somente quando toquei os seios fartos

Como era gélida minha Julia, mas ardia em mim os olhos brandos
E sobre ela e sob a lua tive o verso proibido, chorei
Chorei as velas que acendiam em algum lugar
E tive que esperar que a paz viesse e o amor fosse

Mas era minha Eleonora, jazida na própria paz, no meu pecado
Eu chorei como um corvo que abatia minha rima inexistente
Só pude no final de minhas forças, olhar minha amada e repetir seu nome
Pedi que perdoasse meus atos e me abraçasse no céu

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Caça-palavras

Chamaram um caçador do horizonte rosado
Dizia-se dono dicionarizado das palavras
Cheio de porquês explicativos
Indicativos de sua autoridade na caçada

Perguntaram se sabia antes de mencionado
Motivo dedicado de sua vinda
Ele explicou que era sobre palavras fugidas
De feridas de um coração de donzela

Riram todos, obvio
Não previu o cavaleiro que na vila existiam poetas
Na verdade todos eram tolos
De louros declínios a solidão

Sem entender a solidão predisposta a faces
Fez realces ao motivo de seu erro
E todos concordaram entender
Compreender o erro hilário

Disseram que as palavras fugiram as páginas
Imaginadas ou não, escritas ou não
Fugiram, levando sonhos ilustrados
Inesperados espasmos de inspiração que se foram

Logo começou seu trabalho, monossilábicas
Arbitrárias ações dos unidos
Foi até as polissilábicas, violentíssimas
Raríssimas oponentes, mas capturadas

Estavam todas no papel do inicio
Principio do ocorrido
Motivo esse que trouxe o caçador
Orador do discurso final

Agradeceu o chamado
Irado pela adrenalina da caçada
Sorria estritamente e gargalhava
Estava realmente contente

As palavras juntas novamente
Comumente formavam o poema
Os poetas todos expressaram suas liras
Aguerridas sobre a gloria do caçador

O tema do poema era solidão
Então lido por todos
Criavam uma harmonia prazerosa
Honrosa situação que se uniam

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Última dose

Uma multidão gritava por amparo abaixo da minha sacada. O homem de jaqueta sentia a brisa entrando, carregada por gritos que não faziam parte do cenário. Um abajur no estilo psytrance em formato de capsula abrigava bolhas de diversas cores. Um jornal jogado sobre a cama continha matérias de uma semana atrás, geologia e mortes. O lençol da cama era de tecido egípcio, branco com detalhes em amarelo. Uma poltrona de coro ostentava o homem gordo de jaqueta que tinha a mão direita dentro as calças. A mão esquerda segura um copo de uísque. O cenário bizarro ornamentado por um homem se masturbando tinha defeitos na parede, e os gritos aumentavam as rachaduras. Era a última punheta do mundo.

Os gritos eram de todo o tipo imaginado, crianças querendo colo, mães querendo descer as crianças, velhas carcomidas e esfomeadas, velhos atrás de mocinhas, mas a maioria de socorro. O colapso no meio da rua principal. Um motel na frente do quarto do punheteiro, cuja placa em neon soletrava OTEL, abrigava mais berradores de socorro. O mundo estava indo embora.

A televisão tinha passado a uma semana que o fim do mundo estava por vir. As pessoas eram zumbis comedores de televisão e logo o caos tomou conta. Os mercados fecharam e logo foram saqueados, na verdade todo o tipo de loja foi saqueado. Farmácias, camelódromos, carrinhos de pipoca, carrinhos de cachorro quente, lojas de conveniência, etc. O mundo estava acabado e ainda se acabando.

A melhor das idéias era as sobre prazeres imediatos. Alguns transavam pelas ruas e parques. Outros se masturbavam. Orgias se formavam rapidamente, entre lágrimas e esperma sempre alguém acabava mal. Outros comiam até passarem mal, ou usavam drogas e ficavam rindo pelas ruas, ou ainda dormiam. Outros matavam, as mortes aumentaram rapidamente. Tiros eram comuns. Facas na cintura. Duelos ao estilo velho oeste. Tudo era motivo de prazer, até mesmo um tiro era prazeroso. O fato é que o prazo para o fim do mundo era de oito dias, ninguém estava se importando muito com a maneira que iria morrer.

O homem de jaqueta olhou para o relógio. Meia hora, ele pensou, meia hora pra toda essa porra termina. Gozou e deu um gole no uísque. Levantou e foi até um som que estava embaixo da cama. Era um som pequeno que funcionava a pilhas. Ligou e esperou começar Simple Man, do Lynyrd Skynyrd. Se for pra morrer, ele pensou, morro numa boa. Num último gole terminou o uísque.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sombra gorda

Aconteceu a dois dias:

Minha sombra me seguia como sempre, lado a lado com meu corpo gordo de escritório e gravata até que um poste se metia e a distanciava, ora pra frente ora pra trás. Numa dessas sacanagens de meia noite ela, minha sombra sem expressão, me passou a perna e não mais voltou. O que eu deveria fazer? Eu me assustei, nada mais lógico, mas depois do susto veio um alivio. Você que está lendo essa passagem absurda não se assuste, não é um roteiro de algum filme do Zé do Caixão, é um fato verídico e de veracidade autêntica (redundância é a ênfase). Eu então senti que minha vida mudaria. Não andaria mais a meia noite e me preocuparia com uma imagem negra revelando minha forma roliça aos meus olhos, simplesmente seria um gordo despreocupado. Mas já adianto para o leitor extremamente empolgado com a história de minha situação fantasiosa, muito embora verídica e de veracidade autêntica, que nada de mais aconteceu. Foi logo após dois passos, simples passos, que minha sombra fez falta. Havia ali na esquina um teatro de sombras, realmente assustador, eu pensei, que diabos de coincidência, eu também pensei isso. Certifiquei-me de que a sombra não estava mais ali e parei para observar aquele espetáculo magnífico – confesso aqui, e espero que fique somente aqui, que quando criança meu maior sonho era ser um daqueles artistas de mãos sombrosas – e o assisti por completo.

O espetáculo:

Uma mão aparecia na tela branca. Ela estava aberta e depois se fechava em um punho. Em seguida se abria formando uma mão, contava cinco dedos abrindo, e depois do cindo vieram mais cinco. Era uma mão de dez dedos. Depois ela fechava, tornava-se punho, e abria novamente, agora contava vinte dedos. Novamente a cena se repetiu e quando veio à tona a contagem, Voilà, duas pombas feitas de dedos batiam asas. Mas o tempo não foi longo para as pombas que quando pousaram a beirada da tela foram engolidas por um crocodilo feito de mãos e braços. Depois veio caçador e crocodilo virou bolsa. A bolsa pertenceu à perua que foi atropelada por um punho e no seu funeral soltaram pombas que viraram dedos...

Voltando ao assunto:

Logo depois que assisti a aquele espetáculo extremamente grande e de surpresas inimagináveis senti falta da minha amiga sombra. Pensei comigo, quem faria as brincadeiras? Com que sombra meus pombos bateriam asas? Como meus crocodilos comeriam meus pombos? Ora, eu sentia falta. Quando cheguei a minha casa, logo no portão, fui abordado por um sujeito, um sujeito de nome Suspeito. Seu Suspeito se apresentou como vendedor de sonhos e bugigangas. Entre alguns despertadores se achavam mulheres e carreiras promissoras. Percebi a oportunidade que o destino me dera. Quanto custa uma sombra, perguntei, bom, sombras são brindes meu amigo, ele respondeu, brindes do que, perguntei, bom, se você comprar mais de cinco itens você leva uma sombra, ele respondeu, então me apresente seus produtos seu Suspeito, eu exclamei. Nesse instante cometia o maior erro da minha vida, entre os produtos que o senhor Suspeito me vendeu estava à bendita sombra, que mais seria maldita. Ele me deu de brinde uma sombra dançarina, e se ainda consigo escrever sem dançar são graças às câimbras dessa maldita. Sinto falta agora da minha sombra roliça.

sábado, 22 de maio de 2010

Simetria assassina

Não há medo no homem de chapéu
Ele fecha a porta
As malas dadas
Feitas com simetria
Roupas dobradas geometricamente

Um aviso no portão diz que a culpa não vale
Um corpo na cozinha
A comida esfriando
O radio ligado
Um jogo que passa e não é narrado

Os passos até a parada, do coletivo rumo ao fim
Ônibus amarelo
Sem esperança ou dinheiro
Cobrador rabugento
E está preso, diferentemente do novo passageiro

As pessoas amontoam e se sentem coladas
União inesperada
Ruim e desagradável aproximação
Todos os zumbis da rotina
Trotando em coletividade rumo à repetição

A vida do homem de chapéu mudou por completo
Deixou as coisas
Fogão ligado e mulher no chão
Em cada curva, onde a massa se movimenta unida
O homem pensa nas gotas de sangue que lhe sobraram na unha

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Correu sôfrego ao pote. Esperava ouro, achou bronze. Esbravejou os quatro cantos do mundo. Esmurrou uma parede. Chorou sobre o pote de bronze. Sentiu a garganta arranhada e o calor do sangue entre os dedos. Falou com seu deus. Suplicou. Dizia nas rezas que tivera a pior das caminhadas. Tivera a solidão e os espasmos noturnos. Tivera medo entre as árvores secas. Tivera de chorar por moças mortas deixadas nas estradas e se esconder dos cavaleiros nômades de desejos egoístas. Agora se via parado sobre seu pote de bronze, com a corcunda arranhada pelo teto baixo da caverna. As calças se viam remendando os remendos. Os pés doíam e choravam com dores agudas nas solas gastas. A garganta coçando pelos gritos impulsivos ao mesmo tempo em que clamando por água. Os braços que abraçavam o pote tinham o tom vermelho do sangue que escorria das feridas recém abertas no punho. Caminhou sete dias sem parar em busca do ouro. Agora abraçava bronze e percebia que não valeria nada voltar todo o caminho de horrores. Decidiu ficar onde estava, salgando o bronze com suas lágrimas na esperança de que lhe surgisse ouro.

domingo, 9 de maio de 2010

Pronome acolá

Uma vez eu tive os sonhos dentro de uma caixa preta
Viviam remexendo meu interior do interior da caixa
Alguns viviam em palhaços que metiam medo no escuro
Outros em seus campos verdes arados de pequenas flores

Mas eu perdi os meados das fábulas, sendo que era uma vez
Um final feliz que eu percebi estarem solitários tão próximos
Eu não pude pedir para contarem novamente, estava mudo
Sem meu mundo de verdade e banhado a sonhos presos

Uma noite sem contexto, o sol refletia o verso solto
E redonda no céu uma lua expressionista sorria a volta
Como um grito, sugado para o vácuo, escolheu um eu
De mim se fora aquela vida contente e me sobraram nós

Éramos normais sem eu, mas faltava aquele sorriso
Não sonhávamos mais com as cores vivas ou palhaços medonhos
Éramos o que tínhamos de ser se estivéssemos mortos
Então morremos deveras vezes em pesadelos diversos

Mas ainda naquela caixa viviam partes que um eu sonhou
E delas vieram às guerras de comida, canhões de purê
Os mergulhos obscuros nos lagos perdidos, água vermelha
Vieram os cantores poetas e atores, todos, homens e mulheres

Então nós começamos a escrever nossos sonhos
Em pequenos versos sem rima, e por isso, desritimados
Todos em palavras pequenas ou até mesmo gigantescas
Mas escrevíamos o único de nós que faltava, um eu acolá

Fora do papel ainda viviam os devaneios do nosso pronome
Sonhávamos ainda em uma primeira pessoa tão distante
Mas não perdemos nossa fé única e verdadeira, uma mágica
Um dia veio o que faltava em um ponto final, ponto

Era uma vez um conjunto, tão junto que era um
Fragmentos de gente e todos juntos, a gente, eram eu
Viviam de sonhos narrados por outros e por todos
Mas descobriram serem narrador e narrado

E viveram em singular feliz para sempre

sábado, 8 de maio de 2010

Põe o casaco [algum momento entre 06/07]

Põe o casaco e fecha a porta. Pinta a noite singular com uma caminhada sem rumo. Atrás de si um mundo deixando, feito de orelhões e esquinas. A sua frente um mundo de noite, povoado de novos orelhões e repetidas esquinas. Frio culmina a face, o sereno molha as roupas, a lua se esconde e logo se descobre. Os passos são duros e deveras falsos em buracos escondidos. Na cabeça nada que lhe valha um parágrafo.

Alguns papéis foram deixados. Poemas perdidos em antíteses. Prosas viciadas em clichês. Não existe mais um menino feito de sonhos e palavras sem contextos. Transformou-se em senhor de caráter literário falho. Perdeu as suas noites de assombrados acontecimentos. Perdeu a facilidade de olhar o crepúsculo sem traçá-lo lógico. Não vê mais os vampiros, fadas, escritores. Vê a lenda, a imaginação, o delírio.

Agora vale um parágrafo. A cabeça mudou em uma caminhada rumo ao contrario. Ele viu as várias facetas de uma prosa, e percebeu não ter mais a onomatopéia de suas idéias. Então observa um mundo à noite. Com os pés doidos. O braço abraça o corpo. Os olhos marejam poesia, enquanto os movimentos dramatizam rimas. Pisa sincronizado, trocando pé por pé, um pelo outro. E os versos saem bem vindos.

Se um buraco aparece, ele logo some de vista
Corta as horas do relógio, ora valendo tempo ora valendo nada
E desdobra um mundo de possibilidades
Um buraco e logo, não mais um buraco

Se atravessa uma praça, logo já esta a quilômetros dela
Fez da caminhada uma epopéia
E passou mercado fechado e feira abrindo
Passou tanto que não achou a volta

Se cumprimenta uma pessoa, logo ela já esta em outro lugar
Essa mesma pessoa andou tanto quanto ele
Em um momento verá o buraco fugido
Que depois de alguns passos sumira

Se pensa em algo, logo vira plano ideal
A vida seguira a idéia e a idéia se torna vida
Mas nunca concretiza e continua caminhando
Sem um rumo certo e coberto de grandes idéias

E a caminhada continua por uma noite perpetua. Continua se estendendo por cima dos olhos. Cobre os telhados e chama os gatos. Nunca acaba. Continua caminhando, pensando gigantes pensamentos. Pensa em coisas sem sentindo, sentindo que não servirá para nada, mesmo assim há o contente no rosto.

Não procura um final para a noite, por fim a noite só termina quando os pensamentos se esgotarem. A cabeça cheia coloca os pensamentos em cabides que se prendem ao crânio, e pouco a pouco se organizam. Os pés continuam doendo e o opúsculo que se forma em seus pensamentos ganha uma forma eterna.