Houve contentamento no olhar que lançou pela janela. Fazia uma lua de céu e nubladas nuvens, enquanto as estrelas compartilhavam um pacto solene de não aparecerem. Ele coçou a cabeça mais de uma vez, quase arrancando o pouco cabelo que lhe restava. Havia também pequenos cadernos de poemas, amassados, manchados de comida, riscados sobre páginas e ilustrações. Alguns dos poemas eram profundos, metrificados e nada espontâneos, outros eram opostos. Sobre todo o resto, revistas, lápis, xícaras, papel de bala, havia uma pistola prata, reluzente, sendo tocada pela luz amarela do único abajur do quarto, que na escuridão da noite lhe servia de fogueira. Ele estava em pleno estado de êxtase, sorrindo e lançando suas visões contra o mundo além papel.
Tinha escrito sobre as liras de Azevedo, sobre o toque juvenil de suas mãos entre as coxas de uma mulher e tinha escrito sobre o carro preto que não saia da frente da sua casa. Estava num estado sombrio e sóbrio, claramente a mostra numa superfície desgastada de escritor/louco.
A mão viajou da sua inércia até o gélido contato com a pistola. Os lábios curvaram em um “u”, inocente, arrependido e delicado. O peso da arma proporcionou uma surpresa, não imaginava ser tão leve um objeto que proporcionasse paz tão imensurável quanto à morte. Posicionou a arma sob o queixo, coçou a barba como se manuseasse um barbeador, então se despediu da vida.
“Noite, se você me escuta de algum lugar, saiba que amei você em todos os ponteiros apressados. Amei quando não via mais saída e durante sua estadia no céu eu escrevia sobre todas as alucinações da minha saudável cabeça... Vida, se me escuta, saiba que não enlouqueci quando pisei seu solo estéril, quando descobri as utilidades do meu corpo, ou quando conheci as proezas da língua, eu simplesmente cansei dos companheiros que perpetuam você... Deixo meu adeus às duas amadas, amantes de uma mesma página...”
Fechou sua boca e deixou que a bala viajasse seu interior, sulcando suas memórias, suas tristezas, suas felicidades, suas coragens... E em um último instante de consciência, entre o buraco do alto do seu crânio e o vento que atingia seus olhos, um pássaro acinzentado pousou o peitoral da janela e pronunciou um adeus, que talvez proporcionado por uma última alucinação, soou como “nunca mais...”.
Aquela francesa?
ResponderExcluirLeio os melhores suicídios aqui. Seus personagens sabem se matar sem vergonha de fazer isso, acho digno.
Gostei.
ResponderExcluirde todo , fluiu bem e foi direto ao ponto ,
e ainda mais o final , a maneira em que chegou ao NUNCA MAIS , ~~ GOSTEI ,gostei, gostei